Introdução
Quem trabalha em bares e restaurantes sabe: boa parte da renda vem das gorjetas.
É esse dinheiro extra — muitas vezes fruto da simpatia e do bom atendimento — que garante o pagamento das contas no fim do mês.
Para garçons, cumins, bartenders e até para a equipe da cozinha, as gorjetas representam não só um complemento, mas uma parte essencial do salário.
O problema é que, na prática, a divisão dessas gorjetas nem sempre é transparente.
Muitos trabalhadores recebem valores menores do que esperavam, não têm acesso aos cálculos do rateio e, em alguns casos, enfrentam descontos ilegais feitos pelo empregador. Isso gera desconfiança e sensação de injustiça, especialmente quando o esforço coletivo não é reconhecido.
A boa notícia é que a lei brasileira — especialmente a CLT (art. 457) e a Lei 13.419/2017 (Lei da Gorjeta) — trouxe regras claras para proteger os trabalhadores e garantir que o dinheiro das gorjetas seja dividido de forma justa, transparente e proporcional.
Neste artigo, você vai entender:
- O que são as gorjetas segundo a CLT.
- Como funciona a Lei da Gorjeta e quais retenções são permitidas.
- Diferença entre gorjetas pagas em dinheiro e no cartão.
- Como deve ser feito o rateio entre salão e cozinha.
- O que a lei diz sobre descontos ilegais e transparência.
- O papel das convenções coletivas na divisão das gorjetas.
👉 Se você trabalha em restaurante e sente que não recebe suas gorjetas de forma justa, este guia vai mostrar seus direitos e os passos práticos para contestar irregularidades.
O que são gorjetas segundo a CLT
A CLT (art. 457) considera como gorjeta:
- A gorjeta espontânea, paga diretamente pelo cliente ao trabalhador.
- A taxa de serviço (10%), incluída na conta do cliente e repassada ao trabalhador.
Essas gorjetas não são “presentes”. Elas fazem parte da remuneração do trabalhador e devem ser tratadas como tal para fins de férias, 13º salário e FGTS.
📌 Ou seja: quando o cliente paga a taxa de serviço, ele não está “dando um extra” para o restaurante, mas sim contribuindo para a remuneração de quem o atendeu.
A Lei da Gorjeta (Lei 13.419/2017)
Criada para organizar e dar transparência, a Lei da Gorjeta trouxe regras importantes:
- A empresa pode reter uma parte da gorjeta apenas para cobrir encargos sociais (INSS, FGTS).
- O restante deve ser integralmente distribuído aos trabalhadores.
- O valor recebido em gorjetas deve aparecer no contracheque do empregado.
- O rateio deve ser feito de forma clara, podendo ser regulamentado por convenção coletiva.
👉 Essa lei fechou a porta para práticas comuns e injustas, como a retenção integral da taxa de serviço pelo empregador.
Gorjeta no cartão x gorjeta em dinheiro
Outro ponto que gera dúvida é a forma de pagamento:
- Dinheiro: deve ser entregue imediatamente ao trabalhador ou incluído no rateio do dia.
- Cartão: entra na contabilidade da empresa, mas precisa ser repassado ao empregado de forma transparente.
📌 O que não pode: o valor da gorjeta no cartão “sumir” ou ficar apenas com a empresa. Mesmo passando pela maquininha, o destino do dinheiro continua sendo o trabalhador.
Como deve ser o rateio da gorjeta
A forma de rateio pode variar, mas deve ser clara e transparente. Em geral, as convenções coletivas da categoria definem os critérios.
O rateio costuma dividir a gorjeta entre:
- Equipe de salão: garçons, cumins, bartenders.
- Equipe de cozinha e apoio: cozinheiros, auxiliares, limpeza.
📊 Exemplo prático:
- Conta: R$ 500
- Taxa de serviço (10%): R$ 50
- Convenção coletiva define: 70% para salão, 30% para cozinha.
- Rateio: R$ 35 para salão, R$ 15 para cozinha.
Exemplos práticos de rateio
As convenções coletivas podem prever percentuais diferentes para a divisão das gorjetas. Veja alguns exemplos comuns:
- 70% salão / 30% cozinha: modelo mais usual em bares e restaurantes.
- 50% salão / 50% cozinha: regra aplicada em algumas regiões, valorizando de forma igual atendimento e produção.
- 60% salão / 20% cozinha / 20% caixa e limpeza: alguns acordos coletivos incluem funções de apoio no rateio.
📌 O importante é que o critério esteja documentado em convenção coletiva ou acordo interno aprovado pelos trabalhadores.
Transparência e descontos ilegais
A lei autoriza a retenção apenas para encargos. Mas, na prática, muitos empregadores fazem descontos arbitrários, como:
- Descontar gorjeta quando o cliente não paga a conta.
- Usar gorjeta para cobrir quebra de pratos, copos ou prejuízos do restaurante.
- Fazer retenções sem prestar contas ao trabalhador.
⚠️ Esses descontos são ilegais. O trabalhador pode exigir prestação de contas e até acionar o sindicato ou a Justiça do Trabalho.
Gorjeta no contracheque e encargos
Para evitar dúvidas, a Lei da Gorjeta obriga que o valor recebido conste no contracheque. Isso garante que o trabalhador saiba quanto entrou em gorjetas e quanto foi retido para encargos.
📌 Exemplo prático no holerite:
Contracheque – Mês de Agosto
| Descrição | Valor (R$) |
|---|---|
| Salário-base | 1.500,00 |
| Gorjetas brutas | 1.000,00 |
| (-) Retenção encargos* | 200,00 |
| Gorjetas líquidas | 800,00 |
| Total bruto | 2.300,00 |
* A retenção de encargos (INSS, FGTS) é permitida pela Lei da Gorjeta.
👉 Se a gorjeta não aparece no contracheque, isso é indício de irregularidade.
O que pode e o que não pode nas gorjetas
| ✅ Pode | ❌ Não pode |
|---|---|
| Reter parte da gorjeta apenas para encargos sociais. | Usar gorjeta para cobrir prejuízos do restaurante (copos, pratos quebrados). |
| Incluir o valor da gorjeta no contracheque. | Pagar gorjeta “por fora”, sem registro. |
| Definir critérios de rateio em convenção coletiva. | Deixar o empregador decidir sozinho, sem transparência. |
| Dividir gorjeta entre salão e cozinha de forma proporcional. | Reter integralmente a gorjeta no cartão como lucro da empresa. |
Convenção coletiva e regras específicas
Cada região ou sindicato pode definir regras específicas sobre:
- Percentual de rateio.
- Critérios para divisão entre salão e cozinha.
- Forma de prestação de contas.
📌 Exemplo: em algumas convenções, os caixas e auxiliares de limpeza também entram no rateio; em outras, não.
👉 Por isso, é importante verificar a convenção coletiva da sua categoria para confirmar os critérios válidos.
FAQ – Perguntas Frequentes
O patrão pode ficar com parte da gorjeta?
Somente a parte destinada a encargos sociais (INSS, FGTS). Nunca como lucro.
A gorjeta precisa aparecer no contracheque?
Sim, é obrigatório por lei.
O cozinheiro também tem direito à gorjeta?
Sim, desde que previsto no rateio ou convenção coletiva.
O cliente pagou em dinheiro, mas o patrão reteve. Isso é legal?
Não. O dinheiro deve ser entregue ao trabalhador ou incluído no rateio.
Posso contestar descontos indevidos?
Sim. Guarde comprovantes e denuncie ao sindicato ou ao Ministério Público do Trabalho.
Conclusão
As gorjetas são parte essencial da remuneração de quem trabalha em bares e restaurantes. A lei é clara: elas pertencem aos trabalhadores e devem ser divididas de forma justa, com registro em contracheque e transparência total no rateio.
👉 Dica prática para trabalhadores: sempre exija prestação de contas do valor arrecadado. Se notar descontos abusivos ou falta de transparência, procure o sindicato ou o MPT.
👉 Dica prática para gestores: adote regras claras de rateio, registradas em convenção coletiva ou acordo interno. Isso evita conflitos e processos trabalhistas.
No fim, a gorjeta é o reconhecimento do cliente pelo bom atendimento e deve ser tratada como direito de quem faz o restaurante funcionar todos os dias.
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